olhares semeiam

Eu adoro as histórias que meu avô conta.

Já passei da linha de coerência, então não me importo se é verdade ou não.

Afinal, tem tanta história de vida que a gente pode usar como lição. Ou benção.

Ele é o nordeste em pessoa. Tem talhado no rosto as marcas do tempo, do sol e do trabalho firme. Ele é o reflexo do espírito que o brasileiro talvez nem tenha mais. Meu vô tem o sangue mais quente desse mundo, mas tem o abraço mais acolhedor também. Ele gosta tanto de café que nem gagueja pra reclamar quando toma um mal passado. Ele pode.

Lembro quando ele me contou sobre uma garota, que bem no meio do sertão fazia com que ele esquecesse o que era sede.  Coisa de louco, mas parecia verdade. Coração batia todo confuso, ele contava. Batia o pé pra contar que o corpo dele dava choques por dentro. Dizia que a mulher era “brava por demais”, mas eu ainda acredito que meu velho é que era muito mole. Ele sempre me contava baixinho, talvez para o passado não ouvir que o presente ainda falava dela. A história nem tinha começado, mas ele sempre soube tornar instantes eternos. Então eu deixei.

Deixei que contasse sobre os olhos dela. Tão pretos que pareciam sementes das frutas que ele tinha crescido colhendo do pé. Naquele dia, ele me contou que olhares podem ter sabores e peso. Tentei retrucar. Mas ele contava que os dela eram adocicados e leves. E por noites escuras em que ele teve medo, foi o lugar mais seguro em que ele se abrigou. Então me calei. Que às vezes eles ardiam, principalmente quando cruzavam com os dele. Se pudesse, ele plantava um pouquinho do olhar daquela menina em cada pedacinho de terra que ele passasse nessa vida.

Menina firme, já enjoada das bonecas e das mesmices.

Da zabumba esquisita que o coração dele batia, uma semente começava a germinar. Percebeu que até o final da vida, a viola dele ia cantar pra um sorriso só. Acariciava o braço daquele instrumento como se fosse o dela. Sempre cuidou muito bem do pouco que sempre teve. Construiu tanto com o próprio suor, que assistiu seus respingos o pousarem nos suspiros dela. Escorregou muito nessa vida, mas foi ela que nunca o deixou caiu.

Contou que nas maiores surras que a vida resolveu lhe dar, a única que não abaixava a guarda era ela. Quando a garganta dele só sentia areia, foram os lábios dela que trouxeram água. O orgulho que ela tinha por ele, sempre espantava o medo que tentava sussurrar no ouvido dele. Que ela colocou tudo o que ele precisa dentro do peito dele, nunca pediu muito, mas ela sempre lhe deu em dobro. Pediu sossego e ela lhe servia carinho. Quando pediu coragem ela o embebedou de amor. Espantou tudo. Inclusive a dor.

Ele costuma dizer que a baixinha só não foi o melhor presente da vida dele,

Por achar que a vida dele só começou depois que a encontrou.

Essa foi uma linda história de amor,

Contada pelo meu avô

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autor_jorge

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