vamos brincar de que?

Pela estrada de terra ela vinha com suas botas de montaria.
Percebia extasiada os aromas e cores da paisagem que aquela antiga fazenda refletia. Aquelas terras foram recebidas em circunstâncias maravilhosamente estranhas.

Quando passeava, numas das várias vezes, pelo imenso e belo parque, próximo à sua casa, preocupada naquela tarde, com os rumos que sua vida haveria de tomar, após a grande revelação do marido, que iria se separar porque não a amava mais.

pensou; se os planos de vida a dois acabaram, preciso pensar no solo que farei daqui pra frente. Sei que sou forte o bastante para me lembrar de quem eu sou, sei que tudo que vivi até hoje foi verdade, sei que fui feliz até agora com ele e que também me descobrirei diferente e que esse diferente vai ser muito bom. Mas não sabia nem como, nem por onde começar.

Voltou pra casa, com os olhos marejados ainda, depois de tantos dias de confusão de sentimentos, abriu uma correspondência que seu porteiro entregou. O documento oficial, com timbre, carimbo e selos que dizia: Sra Clarisse Lisboa (nome de solteira) Com a autoridade a mim concedida pelo Sr Gilberto Stern, venho informar sobre seu falecimento e cumprir seu testamento. Cabe à senhora uma grande porcentagem de seus bens. Aguardamos sua presença em nosso escritório o mais breve possível, para os trâmites burocráticos da realização completa das determinações de nosso estimado cliente.

Não conseguia respirar direito, suas mãos suavam, passou um filme futurista em seus pensamentos. Um futuro que agora era real. Estava pisando em suas novas terras, deixada por um tio (por afinidade) distante, que não teve filhos ou esposa e que a amava muito enquanto era criança e passava férias na cidade do melhor amigo de seu pai. O que ela não sabia é que o maravilhoso presente não acabara ai.

À noite, frio, muito frio, céu estrelado, cheiro de frutas, som das folhas no vento suave e uma fogueira que ela começava a alimentar com os gravetos que encontrava naquela clareira, banhada pelo som do riacho e da mais redonda e linda lua que já tinha visto, escutou passos estalando as folhas.

Ficou assustada, mas não com medo, era uma presença boa e forte. O rosto dele lhe parecia familiar, sorriso amigável e olhar tranquilo disse sorrindo:

– Nem nos meus melhores sonhos, poderia imaginar que você fosse ficar tão linda.

– Você me conhece?

– Sim, desde pequena, aquela menina que corria muito pelos campos e montava cavalos como ninguém.

– Você é o Marcelinho?

Ria como quem entende uma piada engraçada.

– Que bom que lembra de mim e isso te fez rir assim.

– O que você faz aqui?

– Eu era o administrador da fazenda do Gilberto, essa que vemos do outro lado desse rio. Eu moro aqui.

– Como a vida brinca com a gente, é só deixar que ela te mostre, é só perceber o desenho que ela vai aos poucos construindo. Eu escolhi, num momento de dor, ficar desperta para o que viria pela frente. Entendi que quando a gente vive com verdade e com a transparência, nossas escolhas caminham a nosso favor, em nosso benefício.

Ainda que minha vida, ricamente programada não tenha sido o que eu planejei, ainda assim escolhi acreditar que existam planos que eu não alcanço, que existem encontros e histórias que desconheço, mas que faço questão de viver e aproveitar todas.

Isso pra te dizer, Marcelinho,

Marcelão,  que adorei os novos rumos que o novo mapa desenhou na minha vida. É um prazer estar aqui na minha nova terra e rever um rosto que me lembra de quando eu era uma criança.

E aqui estou eu, novamente livre e pronta.

Vamos brincar de que?

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