elas dentro dela

Acontece que no tal passado, ela era infernal.

Um verdadeiro furacão, que arrastava tudo ao seu redor.

Era tão intensa que parecia que nunca media as consequências dos seus atos. Os batons de cor escura contornavam seus lábios. Carregava seu sorriso com balas de sarcasmo e ousadia. E quando disparava beijos, sempre arrastava uma risada malvada. Gostosa de escutar até quando não se ouvia a piada. Trocava olhares calculados, o que era uma tremenda sorte do acaso, que nunca teve o azar de ser metralhado pela forma como ela costuma sorrir com os olhos.

Olhava nos olhos.
Das vítimas e dos amigos.

Algumas vezes franzia a testa e os olhos e encaravam a alma. Aprendeu com outros sustos da vida, que ninguém mente o que sente. Pessoas transparentes são raras, mas sempre deixam seus sentimentos escaparem. Já tinha na ponta da língua todo o vocabulário necessário quando o silêncio resolvia aparecer pra conversar.  Com as pontas dos dedos, rasgava devagar toda a culpa que insistia em pairar em alguém, sempre em forma de carinho. Sabia lidar com a culpa como ninguém. Como se fosse dela. Abraçava pra aquecer, mas sempre disposta a esquentar.

Deixava os corpos aquecerem o bastante para clamar pelo frio. Bailava sobre as cobertas numa mistura de menina e mulher. Perdidamente certa de que não sabe como tem tamanha certeza de querer estar ali. Enrolava suas saudades e pudores enquanto arrancavam suas roupas. Encaixavam com tamanha perfeição que pareciam ensaiar. De todas as voltas que a nossa cabeça insiste em dar, a melhor delas é quando estamos mergulhados no agora. Sentia que estava no lugar exato. Segura e suada. Ele só dela. Ela mais dela do que nunca. Gozava do poder que tinha e da mágica que transpirava da própria pele.

Adormecia

E numa mistura de preguiça e sonolência, abre os olhos desejando voltar para seu último sonho. Ela sonha toda noite, mas pouco se lembra com o que sonhou. Enrosca o rosto no travesseiro, como se buscasse o final do seu sono dentro dele. Estala seus dedos e deixa seu corpo agradecer por mais um dia. Ora por proteção e esquenta o café. Reclama do passado que não tirou a maquiagem e agora exige o esforço do futuro para remover. Discutia. Principalmente com ela mesma. Era trágico e ao mesmo tempo cômico. Prendia os cabelos de uma maneira firme, para que não tivesse que destinar seus xingamentos aos fios que caiam sobre seu rosto. Num tom de voz mais baixo, conversava com a sua própria consciência, tentando reprimir um passado recentemente infantil. Sorria da própria desgraça. Das próprias frustrações.

Sorria, pois ficava linda sorrindo, independente do tempo.

Físico ou verbal.

Sorria, pois encontrava a maioria das respostas nos momentos em que era leve.

No ballet das mulheres dentro dela, tomava conta da própria casa conversando com a amiga de infância, no mesmo tom de voz do dia que se conheceram. Dava risada da história que não lembrava se já tinha escutado, mas dava uma opinião diferente do que a última vez. Pelo menos disso tinha certeza. Evitava elencar suas dúvidas, por acreditar que não ter todas as respostas da vida talvez seja ter um pouco de paz. Costuma adorar discutir sozinha. Fazia com certa frequência e sentia até um prazer nisso.

O problema é quando alguém de fora palpita.

Ai é outra história.

Mulherão.

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autor_jorge

 

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